Dia dos Namorados

Entre o amor e o direito: entenda as implicações jurídicas dos relacionamentos

O Dia dos Namorados celebra o amor, mas também é um lembrete de que relacionamentos podem ter efeitos jurídicos, exigindo atenção aos direitos e deveres do casal

"Amar é importante, mas conhecer seus direitos e deveres também é uma forma de cuidado e respeito mútuo" - (crédito: Maurenilson Freire)

O amor está no ar… O Dia dos Namorados é a data destinada à celebração do afeto entre os casais, com jantares românticos, presentes e muitas demonstrações de amor. No entanto, além disso, a ocasião também pode ser um momento para lembrar que os relacionamentos podem gerar efeitos jurídicos.

Seja em um namoro duradouro, união estável ou casamento, é fundamental estar atento aos direitos e deveres que envolvem a vida a dois. Questões como partilha de bens, pensão, direitos sucessórios e, até mesmo, a exposição nas redes sociais podem ter implicações legais. Amar é importante, mas conhecer seus direitos e deveres também é uma forma de cuidado e respeito mútuo.

A especialista em direito de família e sucessões, com atuação em planejamento matrimonial, patrimonial e sucessório, Andressa Romero, explica que, em regra, o namoro não gera efeitos patrimoniais entre os parceiros. No entanto, é essencial que o casal estabeleça regras claras quanto à formação de patrimônio e ao uso de recursos comuns, sob pena de o relacionamento ser interpretado como uma união estável.

Uma união estável exige que o relacionamento seja público, duradouro e pautado na intenção de constituir família. É necessário que todas essas características estejam presentes; caso contrário, o vínculo poderá ser interpretado apenas como um namoro comum ou, em situações mais complexas, como um namoro qualificado — relacionamento mais sério, mas sem a intenção de constituir família.

De acordo com Julia Moreira e Luiz Kignel, sócios da área de família e sucessões do PLKC Advogados, o contrato de namoro hoje é um instrumento jurídico com muita adesão e aceitação no Brasil para solucionar esse tipo de questão. "Embora não previsto na lei, sua aplicação tem aumentado objetivando às partes consignarem que o relacionamento entre elas não configura uma união estável", afirmam. 

Um exemplo dessa situação é o da estudante de odontologia Renata dos Santos, de 24 anos, e seu namorado Diego Cardoso, de 23, que atua na área de direito. O casal está junto há um ano e seis meses e, atualmente, vive sob o mesmo teto. Renata se mudou para Brasília com a família para cursar a faculdade. A princípio, a ideia era permanecer morando com os pais durante toda a graduação. No entanto, com a formatura prevista para o próximo ano, seus pais planejam se mudar para outra cidade, e Renata decidiu continuar na capital.

 "Inicialmente, tínhamos a intenção de apenas morar juntos depois da minha formatura. Mas comecei a ar cada vez mais tempo na casa do Diego e, quando percebi, estava morando lá", conta a estudante. O casal também afirma que ainda não possui um contrato de namoro, porém, deseja elaborar um o mais rápido possível para regulamentar a situação do relacionamento. 

União estável: direitos e deveres

De acordo com a advogada Andressa Romero, na união estável o companheiro possui os mesmos direitos do cônjuge no casamento. "Quando não há formalização do regime de bens, aplica-se automaticamente a comunhão parcial, ou seja, presume-se que todos os bens adquiridos durante o relacionamento pertencem ao casal", explica. Além disso, em caso de falecimento durante a vigência da união, o companheiro tem direito à herança, inclusive, sobre os bens particulares eventualmente deixados pela outra parte.

A principal diferença entre o casamento e a união estável está na formalização e na segurança jurídica que ela proporciona. No casamento, os direitos do cônjuge são assegurados desde o início. Já na união estável, especialmente quando não formalizada, o reconhecimento de direitos pode ser mais complexo. O interessado deve comprovar não apenas a existência da união, mas também sua duração e a data de término para então pleitear os direitos decorrentes.

Por outro lado, quando a união estável é formalizada por meio de escritura pública, os efeitos jurídicos se aproximam bastante dos do casamento, proporcionando maior segurança às partes envolvidas.

Caio Alves, de 24 anos, e Lara Obino, também de 24, oficializaram a união estável em 2024, unindo o útil ao agradável. “Estávamos indo morar juntos pela primeira vez em um apartamento realmente nosso, e a Lara havia acabado de perder o plano de saúde do pai ao completar 24 anos. Coincidentemente, fui convocado no concurso do BRB e surgiu a possibilidade de incluir dependentes no meu plano de saúde. Então, decidimos formalizar a união para garantir esse benefício”, explica Caio.

O casal fez questão de tornar a ocasião especial, e o que começou como uma decisão prática acabou se transformando em um gesto simbólico para marcar uma nova etapa da vida a dois. Os pais de Caio estavam presentes no momento, o que tornou tudo ainda mais significativo. Esse o também mudou a forma como são percebidos pelas pessoas ao redor e ou a influenciar a maneira como eles próprios se enxergam enquanto casal.

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Caio e Lara am a união estavel por questões práticas mas aproveitaram o simbolismo da ação
Caio e Lara am a união estável por questões práticas, mas aproveitaram o simbolismo da ação (foto: Arquivo pessoal )

Casamento: deveres legais e regime de bens

O casamento é considerado o ápice da estabilidade conjugal. Segundo o artigo 1.566 do Código Civil, os deveres legais dos cônjuges são: fidelidade recíproca, vida em comum no domicílio conjugal, mútua assistência, sustento, guarda e educação dos filhos, além de respeito e consideração mútuos. “Tais deveres aplicam-se igualmente a ambos os cônjuges, independentemente de gênero”, ressalta Andressa Romero.

Além desses deveres legalmente previstos, os cônjuges podem, conforme sua conveniência e autonomia privada, estipular outros compromissos por meio de pacto antenupcial. “Essa prática tem se tornado cada vez mais comum, inclusive com a previsão de penalidades, como multa para o cônjuge que descumprir as cláusulas acordadas”, afirma a especialista.

De acordo com a advogada, o Código Civil Brasileiro prevê cinco regimes de bens: comunhão universal de bens, comunhão parcial de bens, separação convencional de bens, separação obrigatória de bens e participação final nos aquestos.

Entre esses, os regimes de comunhão são os mais comuns, caracterizando-se pela comunicação apenas do patrimônio adquirido após o início do casamento. A separação convencional de bens também tem se tornado cada vez mais usual, especialmente diante da evolução social, em que muitos casamentos ocorrem entre pessoas que já possuem patrimônio próprio e não desejam que ele se comunique com o do cônjuge.

Já a separação obrigatória de bens é o único regime que independe da vontade das partes, sendo imposto automaticamente nas hipóteses previstas no artigo 1.641 do Código Civil — como nos casos em que um dos cônjuges já foi casado e não efetuou a partilha de bens da união anterior.

O menos utilizado é o regime da participação final nos aquestos, que combina aspectos da separação e da comunhão: durante o casamento, cada cônjuge istra seu próprio patrimônio, mas, em caso de dissolução, apura-se o que foi adquirido onerosamente por cada um, subtraem-se as dívidas e divide-se o saldo.

“A escolha do regime mais adequado deve considerar a realidade econômica e patrimonial do casal, sendo possível, inclusive, estabelecer regras próprias, desde que respeitados os limites legais”, explica a advogada.

A cirurgiã-dentista Jéssica Jacovetti, de 33 anos, e o engenheiro civil João Vitor Isaac, de 31, estão casados há três anos e acabaram de receber a pequena Jade, primeira filha do casal. Eles optaram pelo regime de comunhão parcial de bens, mas contam que a escolha foi espontânea, sem orientação jurídica prévia. “Na época, cada um tinha apenas um carro, então decidimos assim, de forma natural”, explicam.

Apesar de não terem conversado sobre questões patrimoniais antes do casamento, hoje eles istram tudo juntos e acreditam que é fundamental falar sobre temas como herança, divisão de bens e planejamento futuro com os filhos e familiares.

Jessica e João acreditam que é fundamental falar sobre temas como herança, divisão de bens e planejamento futuro com os filhos e familiares
Jessica e João acreditam que é fundamental falar sobre temas, como herança, divisão de bens e planejamento futuro com os filhos e familiares (foto: Arquivo pessoal)

Outro ponto que merece atenção são as questões sucessórias entre cônjuges, previstas no artigo 1.829 do Código Civil. Andressa Romero explica que, em geral, o cônjuge sobrevivente é herdeiro, exceto nos casos de separação obrigatória de bens, salvo se for o único herdeiro legítimo. Nos regimes de comunhão universal ou parcial, o cônjuge herda apenas os bens particulares, já que tem direito à meação dos bens comuns.

“A principal controvérsia envolve os casais que adotam a separação convencional de bens por pacto antenupcial, mas, ainda assim, o cônjuge pode herdar, o que muitos juristas consideram uma falha legislativa”, declara.

A proposta de reforma do Código Civil tenta corrigir essa distorção ao retirar o cônjuge da condição de herdeiro necessário, o que exigiria previsão testamentária para garantir sua participação na herança. “No entanto, isso não afeta o direito à meação, quando aplicável”, destaca a advogada.

Divórcio: conflitos e cuidados após o fim da relação

Embora ninguém entre em um relacionamento esperando que ele termine, o divórcio pode trazer diversos conflitos. Andressa Romero destaca que, além da partilha dos bens adquiridos durante o casamento, pode haver direito à pensão alimentícia, desde que comprovada a dependência financeira de um dos cônjuges.

É comum que o cônjuge que permaneça com os filhos na residência familiar continue no imóvel. O outro tem garantido o direito de convivência, e a guarda geralmente é compartilhada, conforme previsto em lei.

A advogada também alerta para a importância de um bom planejamento em caso de novo casamento após o divórcio, a fim de proteger os direitos dos filhos da união anterior. Entre as medidas recomendadas estão: a escolha adequada do regime de bens, elaboração de testamento, nomeação de curador para filhos menores e contratação de seguro de vida.

A produtora Gabriela Ferreira, de 27 anos, está ando por um processo de divórcio e relata dificuldades em resolver as pendências com seu ex-marido. “Aceitei todos os termos propostos por ele, inclusive o valor de R$ 20 mil, porque queria me libertar dessa situação e seguir em frente. No entanto, a outra parte continua enrolando, o advogado comete erros no contrato e nada avança”, desabafa.

Atualmente, sua única pendência é a divisão do carro, o único bem em comum do casal, cuja resolução tem sido dificultada. “Já considerei partir para a via judicial, mesmo sabendo que pode demorar, porque prefiro isso a continuar presa a essa enrolação, ainda mais com as ameaças e perseguições que venho sofrendo da atual companheira dele”, lamenta a jovem.

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    "Amar é importante, mas conhecer seus direitos e deveres também é uma forma de cuidado e respeito mútuo" Foto: Maurenilson Freire
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práticas, mas aproveitaram o simbolismo da ação
    Caio e Lara am a união estável por questões práticas, mas aproveitaram o simbolismo da ação Foto: Arquivo pessoal
  • Jessica e João acreditam que é fundamental falar sobre temas, como herança, divisão de bens e planejamento futuro com os filhos e familiares
    Jessica e João acreditam que é fundamental falar sobre temas, como herança, divisão de bens e planejamento futuro com os filhos e familiares Foto: Arquivo pessoal
postado em 12/06/2025 06:00
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